Este mês faz 15 anos que gravei minha primeira locução profissional. Muito legal pensar em como tudo começou. Como em alguns segundos a vida da gente pode mudar pra sempre.
Eu tinha 28 anos e estava morando em Madri, na Espanha, como bolsista do Programa Balboa para Jovens Jornalistas Ibero-americanos. Infelizmente, o programa não existe mais. Uma pena, pois era uma das bolsas para jornalistas mais bacanas da qual ouvi falar. Todos os anos, cerca de 20 jornalistas em início de carreira eram selecionados em toda a América Latina para passar seis meses em Madri, trabalhando para um meio local. Além da experiência profissional, dividíamos casas e estudávamos juntos a cultura espanhola uma vez por semana. Lá, além da Espanha, aprendi sobre a América Latina e fiz alguns dos melhores amigos que tenho na vida.
Para os brasileiros, o divisor de águas na seleção era o espanhol super fluente (ao ponto de poder trabalhar normalmente como repórter em um meio de comunicação espanhol). Isso, os anos de estudo da língua no Brasil e no México me deram. E consegui minha vaga no tão sonhado programa. Fui trabalhar como produtora na área de televisão da Agencia EFE, a principal agência de notícias em língua espanhola do mundo. Saía com os cinegrafistas todos os dias para fazer entrevistas, participar de coletivas de imprensa, acompanhar espetáculos… De volta na redação, selecionava as melhores imagens e redigia o texto com as informações da notícia, que eram enviadas literalmente para todos os cantos do planeta. Os produtores espanhóis também montavam a notícia e gravavam os offs para enviar tudo já pronto para quem quisesse colocá-la no ar.
Nas minhas primeiras semanas de trabalho, um dos produtores perguntou à chefe da agência se eu também poderia gravar offs em espanhol. A resposta foi um categórico “não” – apesar de ter um excelente espanhol para a gramática, meu sotaque (uma mistura de brasileiro com mexicano) não passava pelo crivo dela. Entendível, claro. Decidi não ficar muito chateada com isso, já que diariamente voltava para a redação com muito o que contar (até entrevistar o meu ídolo, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, eu consegui!).
Nas últimas semanas da bolsa, meus colegas se ofereceram para editar matérias minhas, com a minha voz, para eu ter um portfólio para mostrar quando voltasse ao Brasil. Depois de uma carreira de anos em mídia impressa, estava decidida a migrar para a televisão. Gravei, então, 3 ou 4 offs em espanhol e português.
Foi quando ocorreu um daqueles segundos que mudam a vida da gente para sempre: o produtor estava editando meu off em espanhol e a chefe – a mesma que havia dito que eu não poderia gravar de jeito nenhum – passou pela mesa dele. E me ouviu. Parou no meio da redação e começou a perguntar bem alto: “de quem é essa voz? De quem é essa locução?”. Eu e o produtor que estava editando a notícia congelamos… Pensamos que viria uma bela bronca ali. Mas, foi o contrário. “Da Helena”, ele respondeu. Ela disse que quando estivesse pronta, era para enviar a matéria com a minha locução para o mundo todo. E ainda questionou o produtor sobre nunca ter mostrado as minhas gravações pra ela. “Mas você tinha nos proibido de enviar algo com a locução dela”, ele argumentou. Ela, então, respondeu que com aquela voz e interpretação, não importava o sotaque. E que eu deveria trabalhar com isso o resto da vida. Foi assim, em espanhol, com esta notícia, que eu estreei na locução profissional há 15 anos. Eu, que não sou boba, aceitei a sugestão dela.
Parabéns pelo teu trabalho. Dentre tantos que já fez, a tua voz dublando a Cortana na série Halo, é sensacional.
Agora aguardar a próxima temporada.
Mais uma vez, parabéns!
A